domingo, fevereiro 12, 2012

A Serra não é Nada

Sozinha, a Serra do Japi não é nada.

Uma ilha verde cercada de cidades que a devoram pelas beiradas.

Enquanto "frenteiros" debatem o que pode e o que não pode construir por lá, árvores vão caindo como dominó.

Aqui e lá em Pirapora, em Ponunduva ou no Bananal, indiferentes ao Consórcio, animais viram churrasco e diversão.

Proteger a Serra está além da capacidade do pobre, pobre mesmo, Plano Diretor. Como preconiza o Estatuto das Cidades, é um bom instrumento, que põe a cidade no jogo, mas não garante a vitória.

Mas então, como avançar na proteção à nossa "querida" Serra?

Como evitar o efeito de borda, com as intempéries minando a floresta, dia após dia? E o processo erosivo, que já abre feridas em vários locais? Como impedir seu isolamento e evitar sua implosão genética?

Como falar de agricultura, ecológica ou convencional, para comunidades afogadas no caldo urbano? E os incêndios, recorrentes, como abafar?

O Conselho Gestor da APA tenta apresentar algumas respostas, finalizando seu Plano de Manejo.

O documento aponta para recuperação dos fragmentos de mata, 
interligação com corredores ecológicos, a criação de novas unidades de
conservação. Propõe também um "novo rural", aproximando tradição e
tecnologia.

A APA considera o território. Não apenas a área tombada ou a reserva biológica, mas cada rua, córrego, árvore, todo o município. Aliás, três municípios completos, além de parcelas de outros seis.

O Conselho Gestor é uma experiência de governança ambiental 
comunitária. É aí que podemos avançar. Ampliar a participação popular
nos Conselhos. Aprofundar o empoderamento e a responsabilidade das
comunidades na gestão ambiental.

Então, já não precisaremos da boa intenção (ou jogada eleitoral) do prefeito. Nem do parque do deputado. Nem de coisas estranhas como webcidadania "ativa".

A cidade não tem dono.

Parece que tem, mas é de todo mundo.

A Serra não é nossa. É também dos nossos vizinhos. Não dá pra fechar a porteira só do lado de cá. Não dá pra fechar por decreto.

A Serra é, de resto, de toda a humanidade.

Não é nada sozinha, mas pode ser muito, com todos.

quarta-feira, janeiro 04, 2012



Termino o ano sem calçados

Paulo R. F. Dutra

Termino o ano sem calçados.

Mala feita às pressas e meu destino estava traçado.

Um par apenas, o que já trazia nos pés. O resto me aguarda no armário.

O fato é esse: tenho calçados, mas não estão acessíveis, trancados a mil quilômetros de distância.

Então, pra todos os efeitos, termino o ano sem calçados.

Algumas vezes faltou-me o chão. Outras, amoleceram-me as pernas.

Agora, sem calçados.

Um par apenas, justamente o mais novo, que ganhei de aniversário.

Reciclei três pares, feliz em colaborar com o mundo. Sapatos sustentáveis, recuperados e postos em circulação.

Mas não estão aqui. Comigo, só um par.

Involuntariamente, me aproximo daqueles a quem pensei servir como voluntário, os pés-descalços da nação.

Voluntariosamente, imaginei-me a trabalhar para dar calçados e chão aos meus irmãos.

E então, termino o ano sem calçados e com um caminho imenso ainda a percorrer.

Nem chinelos, nem sapatos, minhas botas... Apenas tênis de trilha.

Trilho agora os últimos dias do ano, economizando o tênis para as festas, o resto do tempo descalço.

Poderia ir às lojas, comprar uma coisinha pra quebrar o galho.

Mas não acho justo. Não comprei nada o ano todo, reciclei por opção, não posso agora ceder aos impulsos consumistas.

De qualquer modo, estando de férias, fica mais fácil permanecer descalço, pés pra cima, relaxados.

No momento em que dei por falta deles, foi como dar uma topada: vontade de xingar, uma dor danada e raiva.

Depois vi que a semana correu por conta própria, ignorando minha aflição.

Chinelos emprestados, pequenos, vou caminhando para o ano-novo carregando uma porção de coisas, menos os sapatos.

Trago comigo o mesmo gosto pela vida e o medo dela. Uma porção de sentimentos novos, forjados na dor e na alegria do ano que passou: tropecei, chutei, errei o gol, saí correndo, andei em círculos, percorri novas trilhas, veredas.

Cuidar da Terra, do chão, é cuidar dos pés. Garantir um espaço onde hoje e sempre se possam descansar as pernas, pisar o mato, partilhar a vida.

Pois bem, tentei cuidar do chão, mas terminei sem sapatos.

Tudo bem. Ganhei novos irmãos, companheiros de caminhada.

Sem chinelos, sem botas, borzeguim. Nem mocassim. Sandália? Nenhuma!

Mas tenho a esperança redobrada e um pouco de fé.

Tenho a certeza de que as coisas enfim dão certo porque é o que tenho visto e às vezes experimentado.

Sem sapatos. Mas não é o fim da picada.

Tropicando aqui e ali, paro e observo o caminho.

Tem muita luz por onde eu ando e tenho as pernas firmes.


foto: http://campinglisthq.com/camping-101-how-to-select-a-pair-of-hiking-books/