quarta-feira, julho 08, 2015

A Educação na Casa Comum

A Educação na Casa Comum - Texto publicado no site itu.com.br, onde falo sobre a encíclica do Papa Francisco, o novo livro de Maria Alice Setúbal e conexões locais como a Biblioteca Itinerante Território Vivo.


A encíclica Laudato Si - sobre o cuidado da casa comum - apresentada ao mundo pelo Papa Francisco no dia 18 de junho, traz várias e importantes referencias à educação. No capitulo VI, n. 209, por exemplo, afirma que "A consciência da gravidade da crise cultural e ecológica precisa de traduzir-se em novos hábitos... Por isso, estamos perante um desafio educativo".

Mais adiante (n.215), o documento diz que "A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado".

Também recém lançado, o livro Educação e Sustentabilidade, de Maria Alice Setúbal, converge para essa visão de urgência e desafio: "Tomar a sustentabilidade como eixo articulador das condições do tempo presente com uma proposta de futuro sustentável... essa sustentabilidade que é econômica, política, social e cultural, pode também orientar as ações na educação (p.20)".

A autora é presidente da Fundação Tide Setúbal e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária (Cenpec). O livro é baseado na experiência prática destas instituições, especialmente do projeto Educar na Cidade, coordenado pelo Cenpec, que refletiu sobre princípios e valores para a educação do século 21.

Ela afirma que "pensar a escola como espaço educador sustentável demanda mudanças revolucionárias de princípios, percepção e valores (p.24)". E mais adiante: "Talvez a mudança socioeconômica mais radical a enfrentar seja a ruptura com um modo de vida pautado pelo consumo (p.37)".

O conflito entre consumo e sustentabilidade parece ser ponto comum entre as diversas abordagens ambientais que compõe o discurso de cientistas, políticos e ativistas. A educação nem tanto.

Embora concordem quanto à importância da educação ambiental, esta aparece quase sempre como um esforço acessório, utilizado em ações de grande impacto, como a implantação de obras de infraestrutura ou em campanhas específicas como reciclagem ou economia de água.

As estratégias de desenvolvimento ou retomada econômica são, via de regra, estratégias de consumo. Foi assim nos Estados Unidos após o 11 de setembro e no Brasil do Bolsa Família. E até o momento os grandes encontros ambientais como as Conferencias do Clima e da Biodiversidade não avançaram muito em conter os ímpetos do mercado.

Mas tanto a encíclica de Francisco quanto o livro Educação e Sustentabilidade se referem à educação formal e não formal como caminho para a transformação. Para o Papa, "vários são os âmbitos educativos: a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese... Na família, cultivam-se os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo ecossistema local e a proteção de todas as criaturas. A família é o lugar da formação integral, onde se desenvolvem os distintos aspectos, intimamente relacionados entre si, do amadurecimento pessoal. Na família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer «obrigado» como expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia".

Maria Alice destaca em seu livro a importância da educação como estímulo da participação cidadã: "Como viabilizar a participação ativa e estruturada... de maneira a influenciar o funcionamento do Estado e da vida social? É nesse contexto que a educação ganha um papel fundamental, considerando-se que os processos participativos exigem aprofundamento dos conhecimentos sobre os temas em pauta, fluência na expressão oral e escrita, capacidade de argumentação, negociação, habilidade para acessar, selecionar e analisar informações de modo a construir conhecimentos (p.131)".

E mais adiante registra um depoimento de uma integrante de comunidade escolar da zona leste de São Paulo: "No momento em que eu voto, eu escolho uma ideia... eu escolho uma pessoa que vai colocar em prática essa ideia que eu tenho do que é governar. Só que, depois disso, eu não posso parar de participar da política... tenho que acompanhar os passos da pessoa que escolhi... Preciso dar conta disso... pra isso a gente tem que ter uma ferramenta chamada conhecimento (p.151)".

Aqui em Itu, a experiência da implantação e consolidação da APA Pedregulho percorre alguns destes caminhos, em projetos distintos e autônomos, que convergem para objetivos comuns. O próprio reconhecimento daquela região rural como Área de Proteção Ambiental dentro dos parâmetros do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), seja pela importância de seus recursos hídricos, pela singularidade de sua paisagem ou seus atributos socioculturais já é uma enorme conquista.

A elaboração do Plano de Manejo, incluindo no processo oficinas de educação ambiental, também responde positivamente às necessidades do território e amplia essa conquista.

Outro destaque é um audacioso projeto de restauração florestal, em andamento em algumas fazendas do bairro, com milhares de espécies nativas já plantadas, monitoradas e em pleno desenvolvimento. Simultaneamente, um amplo estudo socioeconômico e ambiental logrou apresentar diretrizes que auxiliaram na constituição da APA e devem contribuir ainda mais com o Plano de Manejo.

Além disso, há o Projeto Território Vivo, de cunho socioambiental, que trabalha junto das comunidades rurais. Uma das ações, a Biblioteca Itinerante, leva livros e atividades literárias para as crianças e jovens e realizou recentemente a Semana Literária Território Vivo, em parceria com escolas de Itu e Cabreúva que atendem a este público.

Os alunos destas unidades receberam a visita de autores e contadores de histórias: uma inusitada aula sobre dinossauros com professor e autor Luiz Anelli, da USP; um pocket show com a autora e atriz Ana Lacombe e seu ukelelê; o grupo Semeando Encanto, com a temática ambiental, do cuidado e da paz; as narrativas de Vanessa Meriqui, Zé Bocca, Fabiana Prando e Celina Bondenmüller. E Ilan Brenman, considerado um dos mais importantes autores de livros infantis do Brasil, que além do encontro com alunos, esteve reunido, ao lado do prof. Anelli, com os educadores e representantes da Secretaria da Educação de Cabreúva,

Como conclusão da Semana Literária aconteceram atividades na Praça Padre Miguel, em Itu, nos dias 16 e 17 de maio. Um grupo de crianças e jovens da vila Pedreira, comunidade ribeirinha do Pedregulho, participou das atividades com o ilustrador Laurent Cardon e das performances da autora Selma Maria. Além disso, puderam conversar com a autora Anna Cláudia Ramos, uma das organizadoras da Flipinha e Silvia Abolafio, editora e autora infantil.

Esse contato direto com autores, durante a Semana Literária, constituiu uma grande experiência educacional para professores e alunos e os momentos na tenda da Praça Padre Miguel foram uma vivência rara de cidadania e pertencimento para os meninos da Pedreira.

Em outra vertente, o Projeto Território Vivo está percorrendo o bairro Pedregulho e visitando produtores locais para estimular a agricultura ecológica. No início de junho, um encontro realizado na fazenda SAAR Brasil trouxe o presidente da Coopernatural, Ricardo Edson Fritsch. A Coopernatural é uma cooperativa de agricultores orgânicos de Picada Café-RS. A grande experiência do grupo é justamente o trabalho coletivo e a organização comunitária.

Agora, durante o mês de julho, o Projeto Território vivo realizará uma série de atividades voltadas para esse foco, envolvendo diretamente a comunidade: implantação de hortas orgânicas, oficinas de compostagem e reciclagem, fruticultura, ervas medicinais e aromáticas, sistemas sustentáveis para captação e armazenamento de água, sarau agroecológico.

Todas estas iniciativas somadas vão de encontro ao "desafio educativo" assinalado por Francisco. E são coerentes com as sugestões de Maria Alice, tendo a sustentabilidade como "eixo articulador".

Importante registrar aqui algumas ações da esfera pública. Além do empenho na criação da APA Pedregulho a Secretaria do Meio Ambiente de Itu tem se destacado pela disposição na criação e manutenção de outros espaços de preservação, como o Parque Ecológico Taboão. Na última sexta feira, 19, o parque recebeu um grupo do CRAS, que pode conhecer o jardim de ervas orgânicas, o telhado verde e o viveiro. Outro local mais antigo, o Centro de Educação Ambiental Miguel Villa, próximo do centro, tem uma incrível estrutura de aprendizagem sobre horta, compostagem, energia limpa e reciclagem. São espaços educativos, às vezes subutilizados, mas que constituem um enorme potencial de formação cidadã, numa cidade que tem todos os problemas dos grandes centros urbanos, em especial a questão da água.

Destaca-se ainda o trabalho da Secretaria da Educação local, que atua de forma integrada com a Educação Ambiental do município, num esforço conjunto para tornar a escola "espaço educador sustentável". E as iniciativas da Secretaria da Cultura, como o Festival de Artes de Itu, abrindo espaço para expressões locais e trazendo apresentações gratuitas e de qualidade.

Aliás, a encíclica Laudato Si dedica-se também a ecologia cultural: "A par do patrimônio natural, encontra-se igualmente ameaçado um patrimônio histórico, artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável. É preciso integrar a história, a cultura e a arquitetura do lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso, a ecologia envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade e pede... atenção às culturas locais... É a cultura –... no seu sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente (n.143)".

Em fina sintonia, o livro Educação e Sustentabilidade dedica vários tópicos às conexões culturais, como o Festival do Livro e Literatura de São Miguel Paulista: "Algumas experiências culturais em conexão com a escola vem ajudando a pavimentar esse caminho... as praças viram palco de debates sobre diversos temas, para incentivar a ocupação dos espaços públicos e favorecer o sentimento de pertencimento àquele território... Incentivadas por essa movimentação, as escolas locais começam a envolver os alunos em atividades literárias que antecedem o evento (p.186 e 187)".

Francisco conclui sua carta num desejo sincero de que "as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança (n.244)".

"Para além do sol... caminhemos cantando" diz o Papa, no mesmo trecho final, lembrando que a ação humana nesta "casa comum" deve trazer a responsabilidade na perspectiva da sobrevivência, para esta e outras gerações. Uma "casa comum" onde se aprende, junto com o outro, o caminho da coexistência, na dimensão mais ampla da sustentabilidade.

(publicado em http://www.itu.com.br/colunistas/artigo.asp?cod_conteudo=51586)


Biblioteca Itinerante https://www.facebook.com/bibliotecaitineranteterritoriovivo

Encíclica Laudato Si http://goo.gl/FeI0oM

Educação e Sustentabilidade http://goo.gl/FOfc5z

Maria Alice (Neca) Setubal http://goo.gl/QWdF3P

segunda-feira, outubro 28, 2013

Os Beagles do Zé Arnaldo


Na coluna da ultima terça, 22, no Bom Dia Jundiaí, Jose Arnaldo de Oliveira falava dos beagles resgatados em São Roque.

Ele argumentou que cãezinhos sensibilizam mais do que galinhas de granja. Por conta disso, quem come picanha não esta autorizado a ser herói pra cachorro.

Penso que uma coisa não agrava a outra. Os ativistas cometeram um ato inusitado e raro no Brasil. Podem passar para a história por desencadear uma serie de ações de libertação animal: Um olhar mais atento para o sofrimento de nossos companheiros de jornada neste planeta; Uma nova era de solidariedade entre homens e bichos.

O que virá depois? O debate sobre a ética da dieta vegetariana? Invasão aos laboratórios que testam transgênicos? A Terra sem males, como no mito indígena.

E então já não precisaremos de remédios. Alimentos? Muito pouco, reconduzidos a sua função original de nutrir e alegrar a vida.

A emancipação do homem, "tão perdido na distancia da morada do Senhor", como na canção do meu amigo Erasmo.

Vida longa aos beagles!

quarta-feira, maio 29, 2013

Uma APA para Itu

Pau d'alho centenário se destaca na paisagem do Pedregulho.

No Ano Internacional da Cooperação pela Água, instituído pela ONU como prioridade em 2013, o município de Itu, a 100 Km da capital, avalia a criação de uma nova Área de Proteção Ambiental na cidade, a APA do Pedregulho.

O bairro rural do Pedregulho abriga parte da microbacia do ribeirão Piraí, um trecho bem preservado e que deverá acolher a futura barragem. A criação da APA Municipal garante a proteção dos recursos hídricos, incluindo o belíssimo vale do Piraí, além de preservar a paisagem e o patrimônio cultural e histórico e incentivar a restauração florestal.

Outro aspecto positivo é a ordenação do território, visando direcionar os empreendimentos atuais e futuros para práticas sustentáveis, que atendam aos interesses sociais e econômicos com o mínimo de impacto ambiental. A mineração artesanal do granito, por exemplo, recurso abundante na região, deve se sofisticar, com a organização de cooperativas, orientação e capacitação dos trabalhadores e a necessária fiscalização.

Sendo esta uma das mais importantes questões sociais do bairro, ganha especial relevância a disposição do poder público em buscar uma alternativa para o núcleo habitacional localizado no Km 90 da rodovia D. Gabriel. Constituído em grande parte por famílias dos trabalhadores artesanais, o núcleo é irregular por ocupar a margem do Piraí, considerada área de proteção permanente conforme a legislação ambiental. O mapa da nova APA inclui este núcleo como Setor de Recuperação Socioambiental.

A agricultura orgânica também será incentivada, como alternativa para a produção agrícola local. Tradicionalmente dedicada ao café, em tempos recentes destaca-se na pecuária, suinocultura, equinos e cana de açúcar. E a vocação das fazendas históricas para o Turismo Rural ganha novo impulso, valorizando o grande empenho de instituições e empreendedores dedicados há vários anos neste segmento.

O território do Pedregulho de fato já está incluído na APA Estadual, como uma extensão da APA Cabreúva, criada para proteção da Serra do Japi e do ribeirão Piraí.

Esta APA Estadual abrange também os municípios de Jundiaí e Cajamar e conta com um Conselho Gestor formado por representantes do poder público e instituições, que neste momento trabalha pela elaboração de um Plano de Manejo, que indicará as ações preferenciais para o uso sustentável da área.

A criação da APA Municipal do Pedregulho trará a gestão deste importante território para o município, pois contará com um Conselho Gestor local responsável por avaliar e deliberar propostas sustentáveis para o bairro.

É um grande avanço na governança participativa do município, sobretudo num contexto tão importante e urgente como o cuidado ambiental. Berço da República, Itu tem neste momento uma oportunidade concreta, sem exageros, de firmar-se como cidade sustentável no âmbito global.

Paulo Dutra  é Comunicador Social, com especialização em Comunicação Empresarial e pós em Formação de Adultos. Educador Ambiental e Agente de Desenvolvimento Local. Atuou em projetos ambientais de ONgs,empresas e instituições diversas. Fundador do Fórum Permanente Caxambu, movimento ambiental em defesa das águas. É membro do Conselho Gestor da APA CCJ, representando o Instituto Lambari. Atualmente coordena o projeto Pedregulho - Território Vivo.

publicado em http://www.itu.com.br/opiniao/noticia/paulo-dutra-uma-apa-para-itu-20130522