quinta-feira, fevereiro 08, 2007

esquentando os tamborins !!!
De Jundiahy a Parahytinga, a Farra dos Barões


(Fotos: bloco Juca Telles, em S. Luis do Paraitinga, no sábado; Refogados, abre (e "fecha") o Carnaval de Jundiaí, na sexta;  Grito da Noite, sexta de Carnaval, em Santana de Parnaíba)

esquentando os tamborins !!!
De Jundiahy a Parahytinga, a Farra dos Barões

Barão Geraldo é aquele famoso distrito de Campinas, onde fica a Unicamp. Um lugar tranqüilo, aos poucos invadido pela efervescência cultural e a violência da metrópole.

O Barão foi o produtor de café Geraldo Rezende, da Fazenda Santa Genebra. Por algum motivo, conservou uma parte das terras intocadas, preservando a Mata de Santa Genebra para a posteridade. Por ali corre o ribeirão Anhumas, nada conservado.

O teatro, o folclore e o carnaval fazem parte da efervescência local. A fama da Cia. Barracão e a lenda do Boi-Falô se espalharam além-Barão. O boi em questão foi obrigado a trabalhar numa Sexta-Feira Santa e disse que não faria o serviço. Dessa história surgiu o nome do Berra-Vaca, um dos blocos de carnaval do distrito.

Nos dias de folia, o Berra-Vaca dá várias contribuições, mas sua missão oficial é sair na terça-feira à noite, atravessar a madrugada e as ruas, fechando as festividades.

Ano passado o bloco contou com um "esquenta" muito especial: Ainda na "concentração", ao lado da Banca Central, o maracatu Nação Tayná fez valer o baque dos tambores e reuniu a tribo pra festa.

Não muito longe dali, nas terras de outro barão, o carnaval terminava confinado e sem graça, restrito aos clubes que juntam Atoladinha com Pagodinho. Em Jundiaí é assim, o carnaval termina antes, na madrugada do sábado, quando os Refogados mais resistentes vão deixando o Estrela da Ponte. Dali pra frente é a festa oficial, com arquibancada e palanque. Acho que foi com o Estamos na Nossa que começou essa tradição de um bloco só. Depois veio a Banda da Ponte, já na sexta à tarde, sucedida pelo Refogados. E só.

As terras do Barão de Jundiaí e da Baronesa do Japi deram muito café, mas não geraram blocos populares. Aliás, é muito estranho que em tão antigas paragens só resista a tradição recente das festas italianas, como se a cidade tivesse nascido no fim do século XIX. Onde é que estão as Festas do Divino, as Folias de Rei, as congadas e o samba de roda? A Bandeira do Divino está lá no Museu Histórico e Cultural, mas cadê os festeiros e o imperador, as cantorias, a cavalhada? E o caxambu, que era a batucada ouvida lá pras bandas do Caxambu, onde é que foi parar?

Aos 351 anos, Jundiaí não pode aceitar como tradição uma Festa da Uva desfigurada, criada no século XX já com alma marqueteira. Até a Festa da Padroeira, que em tantos lugares combina devoção e cultura popular, turismo e geração de renda, aqui foi reduzida às práticas litúrgicas e participação restrita aos fiéis católicos. Não é uma festa da cidade nem mobiliza a comunidade. A cidade está rodeada de legítima resistência cultural: tem o carnaval de Santana de Parnaíba,
cujos tambores tem uma batida inconfundível; o samba de Pirapora, as congada de Atibaia, o São Gonçalo de Jarinu. Mas segue impermeável, mais do que as várzeas do rio Jundiaí. O resultado é uma cidade sem festas e de tradições perdidas. E carnaval sem graça.

Um pouco mais além, no Vale do Paraíba, uma cidade reinventou o carnaval. Terra de Aziz Nacib Ab'Sáber, geógrafo apaixonado pela Serra do Japi, São Luis do Paraitinga tem uma folia baseada em blocos, marchinhas e bonecões. O Juca Telles é um deles. Sai no sábado ao meio-dia, arrastando uma multidão que toma a praça e as ruas centrais.

O centro, aliás, é uma das riquezas da cidade, tombado pelo patrimônio histórico por conta dos casarões centenários, do ciclo do café. O café era plantado pelo Barão do Parahytinga, mais um personagem da nossa saga, que emprestou o nome do rio que corta a cidade. O Paraitinga vai
sucumbindo aos maus tratos, mas a cidade ainda guarda um tesouro da Mata Atlântica, o Núcleo Santa Virgínia, do Parque Estadual da Serra do Mar.

Das janelas dos casarões e dos portões das casas, jorram baldes e mangueiras, refrescando as "Cotias do Sertão", ou seja, o pessoal que sai no Juca Telles. O carnaval em Paraitinga é feito também de chapéus e cartolas coloridas, roupas de chitão ou de retalhos. As ruas são decoradas, as casas viram albergues, a cidade se integra na festa. Os blocos se revezam o dia todo, só descansam pela manhã: Maricota, Barbosa, Pé na Cova, Bicho de Pé, Lençol e o Bico do Corvo que arremata a terça-feira, quase quarta.

Enquanto os blocos vão pelas ruas, as bandas locais balançam o coreto. A cidade tem tradição musical. Ali nasceu o músico Elpídio dos Santos, que entre outras proezas compôs a maioria das trilhas dos filmes de Mazzaropi. Os blocos trazem sempre muitos jovens instrumentistas, com
destaque para os metais e até viola.

Na década de setenta, os filhos de Elpídio juntaram uns amigos e formaram a banda Paranga, com o melhor do hippie-caipira. O Paranga se tornou cult, ganhou a capital e integrou a chamada Lira Paulistana, ao lado de Arrigo, Itamar Assunção e outros geniais músicos. Dessa
relação intensa, vem a presença de Susana Salles no carnaval de São Luis. Ela é da Lira, não nega, mas ali é uma equivalente das cantoras baianas, dando alma, graça e voz, especialíssima, aos blocos do Juca Telles, Maricota e Barbosa. Herdeiros do Paranga, na terceira geração de Elpídio, surgiu o Estrambelhado, que mistura músicos de qualidade, viola, rock e marchinhas, claro.

As duas bandas se alternam no coreto, não deixando o carnaval parar. E não para mesmo: enquanto eles tocam, um outro bloco sai na ladeira atrás da Igreja, um Maracatu improvisado passeia pelas ruas, músicos e fantasias se espalham por todos os lados. A festa foi reinventada e
ganhou mais força aí pelos anos oitenta. A cidade que tem a tradição do Divino, das congadas e moçambiques, do jongo, da cavalhada e da alegria. O carnaval era mais uma delas. O Festival de Marchinhas, que acontece em janeiro e a dedicação de alguns moradores recriaram a tradição e o resultado está descrito acima.

Claro que nem tudo é perfeito. A Prefeitura de São Luis inventou no ano passado um pedágio, com o valor "simbólico" de R$ 30,00 diários, que permite ao visitante estacionar seu carro nas ruas. Sem o selo-pedágio o carro é multado e guinchado. Uma tentativa de selecionar o público e
conter um pouco a invasão bárbara que toma a cidade nestes dias. A idéia abriu espaço para um mercado negro de estacionamentos, propinas e caixinhas. Pode ser o começo do fim.

Os Barões do café fizeram sua folia e riqueza, intensificando a devastação destas terras. Restaram um pouco de tradição, uns fragmentos de mata, rios em agonia. Em alguns lugares, como nas margens do Anhumas e do Paraitinga, ficou também um traço da alegria e da resistência cultural de um povo que, mais que o carnaval, reinventa a vida todos os dias.

Jundiaí parece destoar dessa história. Aqui as tradições e o rio foram mortos. A Serra do Japi sobrevive, por enquanto, símbolo da cidade sem festas. O carnaval segue cambaleante. Graças na sexta. O resto, sem graça.