quarta-feira, outubro 19, 2011


Verde, Criativa e Solidária: Outra Economia é Possível?
Ao final de 2009, na COP 15, Conferência do Clima realizada em Copenhagen, a resignação foi o prato principal do jantar de encerramento.

Apesar da frustração que se espalhou pelo mundo, nenhum governante se atreveu a rever seus planos para a economia, depois de um duro período de crise financeira global.

Os ambientalistas pressionaram, mas pouco puderam fazer, frente à realidade dos números. As urgências do Clima deveriam aguardar um pouco mais. Mas até quando?

A partir daí ganhou ainda mais força o debate sobre alternativas que pudessem recuperar países, promover o desenvolvimento, manter a qualidade de vida e frear a destruição do planeta.

Missão impossível? Talvez, mas 2010 tornou-se um dos anos mais produtivos em idéias e ações concretas para uma Economia Verde.

Logo mais na COP 17, em Durban, África do Sul, onde se pretende aprofundar o Protocolo de Kyoto e os acordos de Cáncun, o mundo estará outra vez diante da questão: A economia pode ser sustentável e solidária e ainda assim garantir a soberania de uma nação e sua inserção no mercado global?

Parece que uma resposta está nas ações locais, de governos, universidades, empresas e empreendedores visionários e da sociedade civil organizada.

Negócios Sustentáveis

Em dezembro passado o Governo de São Paulo realizou a 1ª Bolsa Internacional de Negócios da Economia Verde – BINEV. Com base na Política Estadual de Mudanças Climáticas, a iniciativa demonstra interesse em migrar do atual modelo de desenvolvimento para uma economia de baixo carbono.

Atraindo centenas de participantes, 1ª BINEV deve promover novos vetores de crescimento econômico, novas fontes de empregabilidade e soluções para qualidade ambiental.

As áreas focadas no evento foram Energias Renováveis, Construção Civil Sustentável, Saneamento Ambiental, Turismo, Transporte Sustentável, Agricultura, Florestas e Tecnologias Verdes, ou seja, uma ampla possibilidade de inovação e desenvolvimento, com baixo impacto ambiental.

A iniciativa teve apoio de empresas como Sansung, ETH Bioenergia, Stenville Têxtil e Sabesp.

A Stenville é uma média empresa do interior paulista, que produz tecidos de PET com equipamentos de baixo consumo de energia, utiliza amaciantes naturais e possui programa “E-Zero” para reduzir consumo de água e zerar efluentes.

A empresa, em parceria com o Instituto E, da grife Osklen, desenvolveu os uniformes do pessoal de apoio do evento. A Stenville forneceu o tecido de PET e a Osklen desenhou. Um exemplo bem acabado da nova Economia Verde.

Outro evento recente foi o VII Fórum de Investidores em Negócios Sustentáveis, realizado pelo Programa New Ventures Brasil, do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da EAESP-FGV, em parceria com Banco Santander, Natura Cosméticos e Citi Foundation.

Nesta iniciativa a FGV promove a aproximação entre empreendedores verdes e possíveis investidores. Um dos destaques foi um tipo de jardim suspenso ou telhado verde. A empresa Ecotelhado instala esse tipo de cobertura vegetal tanto em prédios (laje) ou telhados convencionais, de telha cerâmica, fibrocimento, etc. É possível fazer um telhado com grama ou com plantas.

O telhado verde ou ecológico funciona como isolante térmico e absorve boa parte da água da chuva, amenizando o problema das enchentes nas cidades. Além disso, ajuda a purificar o ar urbano.

USP e a Economia Criativa

A Escola de Artes, Ciências e Humanidades, EACH-USP, localizada na zona leste de São Paulo, está direcionada para a Economia Criativa, com cursos de graduação em Gestão Ambiental, Gestão de Políticas Públicas, Lazer e Turismo, Ciências da Natureza, Marketing, Sistemas de Informação, Têxtil e Moda, entre outros.

Além disso, acaba de lançar novas áreas de mestrado, como Mudança Social e Participação Política e Estudos Culturais.

Essas carreiras estão alinhadas como a proposta de geração de riqueza e baixo impacto ambiental. A Economia Criativa valoriza a arte, a cultura, o design, a informática e o desenvolvimento de software, o turismo, a moda, a música, enfim, as inúmeras formas de expressão da criatividade humana. Novas opções profissionais que atendem as demandas sociais e ecológicas.

A graduação de Têxtil e Moda, por exemplo, era inicialmente voltada para a indústria. Com a revisão curricular que a USP está promovendo, realinhou-se aos novos tempos.

No TCC apresentado em novembro último, as alunas Beatriz Mangussi e Bruna Fernandes analisaram uma obra de Almodóvar, com foco na produção de moda e fotografia. As mesmas alunas participam de projetos de extensão em cooperativas de costureiras na periferia da capital, melhorando o design de sua produção artesanal.

Vizinho do campus, a comunidade Jardim Keralux, com núcleos de sub-habitação, está integrada à EACH, com atividades físicas, culturais e socioambientais.

Sinal dos tempos, o campus está construído em área do Parque Ecológico do Tietê, com sérios problemas de contaminação de solo e água, em função das empresas que já ocuparam o local.

A Maior Campanha do Mundo

Até mesmo as igrejas cristãs estão chamando a atenção de seus fiéis brasileiros para as questões do Clima e da Economia.

A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 teve como tema “Economia e Vida”. Organizada pelo Conselho Nacional das Igrejas Cristãs – CONIC – a CF tentou conscientizar sobre a urgência de um modelo econômico solidário e inclusivo, onde haja lugar para os mais pobres.

Envolvendo milhões de pessoas em paróquias e templos de todo Brasil, é a maior campanha do mundo em seu segmento. Milhares de encontros, seminários e palestras foram realizados. E sermões, claro, muitos sermões.

Além de resultados concretos, como a participação de delegados na Conferencia Nacional da Economia Solidária e a criação de leis municipais sobre o tema, a CF mantém um Fundo Solidário.

Administrado pela Cáritas Brasileira, o fundo é constituído de doações captadas durante a Campanha e pode ser acessado por projetos ligados ao tema.

A CF 2011 trouxe como tema a “Fraternidade e a Vida no Planeta”, com foco nas mudanças climáticas. O texto-base, principal documento da Campanha, elaborado pela CNBB, aponta que as soluções passam por mudanças no modelo econômico. Mas igualmente em posturas locais como valorização dos Conselhos Municipais de Meio Ambiente e maior atenção ao Plano Diretor.

Ciclo da Terra

A HSM, principal empresa de eventos empresariais do Brasil e uma das maiores do mundo, também cedeu aos apelos da Economia Verde.

Há alguns anos incorporou o tema Sustentabilidade em seus seminários, além de dedicar espaço no site e newsletter ao assunto.

Para o congresso Expomanagement 2010, no início de novembro, a HSM trouxe especialistas, como o britânico John Elkington, para quem as empresas devem alinhar sustentabilidade, pessoas e lucro.

Paralelo ao congresso, uma série de palestras ou Estações do Conhecimento, trazem, talvez, o melhor do evento. Na sala Geração Y, Luiz Algarra envolveu os participantes num debate colaborativo, subvertendo o esquema de platéia. Sua empresa, a Papagalis, é uma consultoria de Aprendizagem e Conhecimento.

Algarra convidou a jovens executivos da TerraCycle para apimentar o debate. A empresa acaba de se instalar no Brasil.

A TerraCycle foi fundada por Tom Szaky em 2001, aos 19 anos, quando o jovem húngaro largou a universidade de Princeton para se dedicar aos negócios. Negócios verdes!

Inicialmente reciclava lixo orgânico e garrafas PET para fazer fertilizante doméstico. Depois passou a reciclar materiais para uma grife própria de estojos, bolsas, carteiras e mochilas.

Szaky tem parcerias com a PepsiCo, Nestlé e Walmart e já recicla saquinhos de Fandangos, Ruffles e embalagens de chocolate e sorvete no Brasil. Faz isso com “brigadas” próprias ou em parceria com cooperativas de catadores. São toneladas de materiais de difícil reciclagem e normalmente sem destinação adequada que deixam de ir para o aterro sanitário. A empresa também produz vasos, paletts e caixas plásticas com esses materiais.

Cajamar na Onda Verde

No mesmo ano em que Tom Szaky criava a Terra Cycle, a brasileira Natura se instalava em Cajamar.

Além da sólida estrutura de uma das maiores fabricantes de cosméticos do mundo, a empresa trouxe uma cultura focada em sustentabilidade.

Um dos maiores projetos da empresa envolve a preservação da biodiversidade e o apoio a comunidades extrativistas. Em 2010 a linha Ekos, que utiliza a flora nativa, como cupuaçu e murumuru, incorporou oito novas comunidades em seu projeto. Localizadas na Amazônia, preservam a mata através do manejo agroflorestal.

Mas a empresa também apóia projetos locais: em parceria com a ONG Mata Nativa e Prefeitura Municipal, ajudou a criar a Agenda 21 de Cajamar.

A Mata Nativa fomenta a cultura verde através de projetos como o “Transformando a Realidade”, que desde 2004 atua no desenvolvimento local sustentável das comunidades. Além disso, participa ativamente do Plano Diretor e do Conselho da APA.

Recentemente, passou a atuar junto aos grêmios escolares, revitalizando a participação dos jovens. Outro projeto, o “Ekobé”, vai realizar o diagnóstico ambiental do município e instalar um parque ecológico. Mesclando ações sociais e ambientais, a ONG cumpre seu papel na cidade, rumo a uma nova economia, verde e solidária.

Cultura e Design

Os Pontos de Cultura e as Salas Verdes são grandes iniciativas do Governo Federal. Difundindo uma nova economia, os Pontos são espaços criados com apoio do MINC em todo o Brasil, que articulam e promovem a cultura local, aprimorando o trabalho de artistas e criando novas opções de trabalho e renda.

Jovens aprendem a trabalhar em rede e tomam contato com o cinema, a fotografia, a música, o teatro, as manifestações populares e um mundo de oportunidades.

E as Salas Verdes, do Ministério do Meio Ambiente vão na mesma direção: trabalho coletivo e compartilhado, pessoal ou virtualmente. Com recursos do MMA, as salas tem acesso a internet e monitores e abrem os horizontes profissionais e ecológicos da juventude.

Também é de iniciativa do MMA a formação de Coletivos Jovens de Meio Ambiente, os CJ’s. Trata-se de uma política pública nascida e consolidada nas Conferencias de Meio Ambiente, em parceria com o Ministério da Educação, já que falamos de educação ambiental.

Os coletivos estão reunidos na Rede de Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA), que promove ações presenciais e virtuais. O poder de engajamento dos CJ’s já foi objeto de pesquisa da USP. Em São Paulo, com presença marcante nas universidades e espalhando-se pelo interior, o coletivo é “CJ Caipira”.

Vários destes jovens já se destacam profissionalmente na internet e novas mídias sociais, mesmo com graduação em outras áreas como sociologia, biologia, engenharia, etc.

Também estão desenhando uma nova economia, baseada em redes sociais, cultura da paz e valores humanos. E paixão, uma enorme paixão pelo planeta, a Pachamama.

Design é outro componente da economia de baixo carbono. Design verde.

Estamos a caminho da “idade das coisas leves” como previu Thierry Kazazian, um dos papas do ecodesign.

Para Kazazian, os produtos e serviços podem ser leves, sem pesar sobre o meio ambiente, e planejados de forma sustentável desde sua concepção, fabricação até a reciclagem.

Pode ser uma cadeira ou um prédio de apartamentos. Mas precisa ser leve para o planeta.

Já existe, aliás, um Comitê Brasileiro de Construção Sustentável. Isso envolve os materiais utilizados, seu aproveitamento e reciclagem, o uso da água, a mão de obra, a responsabilidade social e fiscal.

E a chamada logística reversa entra em cena: precisamos ser especialistas em distribuir produtos, mas também em recolher seus resíduos.

Há enfim uma série de exemplos de uma economia possível, que vai se concretizando em muitos setores, onde o futuro é desenhado e ganha forma. E cores.

São pessoas e instituições teimosamente adiando o final anunciado.

Na verdade, se economia significa “cuidar da casa”, parece que estamos apenas começando.

Paulo R. F. Dutra
paulorfdutra@gmail.com